A arte de criar grandes expectativas.
Na carta de fevereiro vamos discutir diferentes temas que consideramos importantes para analisar o atual contexto de mercado. Optamos por juntar assuntos distintos que seguem um objetivo comum, o de detectar se estamos no início, no meio, ou no fim de um ciclo longo e tortuoso, usando como ponto de partida as mudanças de expectativas.
Iniciamos com a recente pesquisa do BofA Merril Lynch (divulgada em fevereiro de 2024) a respeito das expectativas extremamente ambiciosas dos seus Financial Advisors(assessores financeiros) para o atual momento de alta de mercado. Acreditamos que a pesquisa reflete mais o momento atual do que fundamentos para tomada de decisão.
Os assessores estão cada vez mais otimistas com a economia e os mercados. Apenas 0,4% dos assessores esperam uma recessão este ano, o que é surpreendente e mostra alta confiança no cenário econômico atual. Mais de 70% dos assessores esperam recuperações em vez de declínios na bolsa, o maior nível de otimismo desde 2021.
Além disso, cerca de 10% acham que essa tendência ascendente pode durar o ano todo, enquanto 77% acham que o mercado em alta se estenderá até o final de 2024. Apenas 1% acredita que o mercado atingiu o seu pico. Prever movimentos de mercado é difícil em um mundo influenciado por forças globais e domésticas.
As preferências de investimento em classes de ativo mudaram em meio a essas expectativas de crescimento econômico e de alta do mercado. A preferência maior por ações indica otimismo na expansão do mercado de ações. Os bonds(títulos) permanecem populares nos portfólios de investimento, apesar dessa mudança em direção às ações. Os títulos são um investimento mais seguro,especialmente em tempos incertos, e sua popularidade implica que, embora o otimismo seja forte, a cautela ainda está no ar.
O segundo assunto mais interessante para o resumo deste mês em nossa opinião é: o que podemos inferir do atual ambiente de bolsa? O mercado subiu em 16 das últimas 17 semanas, seria isso a anatomia de um “bull market”, ou uma demonstração de excesso de liquidez do fim do ano passado sendo distribuído e criando uma nova onda de exuberância irracional nos bastidores?
As dinâmicas recentes do mercado de ações despertaram a curiosidade do público, com pesquisas no Google sobre "Bolha de ações" no seu nível mais alto desde janeiro de 2022. O fato acontece ao passo que o S&P 500 alcança um novo recorde, levando o investidor Ray Dalio a escrever um texto de 1.700 palavras contestando a teoria da bolha.
Esse otimismo é moderado por preocupações sobre os valores de mercado, os quais em algumas medições sugerem estar altos para padrões históricos. O economista sênior da Apollo Global Management, Torsten Slok, por exemplo, disse que a razão preço-lucro (P/E ratio) média das 10 maiores ações do S&P 500 é maior do que em 2020, 2010 e até mesmo a bolha da internet de 2000, quando atingiu 25 vezes os lucros. Após esta comparação, os níveis atuais do mercado podem não ser sustentáveis. A narrativa pode se complicar ainda mais com a inflação. Medidas recentes de inflação que estão um pouco acima da meta podem complicar o cálculo da política monetária do Federal Reserve (Fed).
Depois do início de ano agitado, já estamos muito próximos das projeções de lucros mais otimistas possíveis para o S&P500 (eixo vertical da imagem acima). Se levarmos em consideração que os principais setores que ajudaram a melhorar as perspectivas são os que continuam sob maior pressão de crescimento de lucros, a situação ficará mais interessante ainda para que seja comprovada adiante, ou não, eas expectativas poderão ser revisadas e uma nova “arte” deverá surgir nos bastidores.
Além disso, as recompras de ações foram as estrelas do fim do ano no mercado. A S&P Global relata queUS$ 205 bilhões em recompras foram feitos desde o quarto trimestre de 2023, um aumento de 20% em relação ao trimestre anterior e 8,5% em relação ao mesmo período do ano anterior. As recompras reduzem a contagem de ações e podem aumentar o lucro por ação, aumentando o valor para os acionistas. Essa estratégia também levantou questões sobre como usar os recursos das empresas de forma mais eficiente, com os críticos sugerindo investir em P&D, aquisições ou dividendos. Nos últimos 25 anos, os planos de recompra de ações dobraram.
A Ned Davis Research opina que o atual mercado em alta está em seu ciclo médio, já que o mercado em alta médio desde 1930 dura 700 dias e o atual está em 350 dias. A confiança no mercado,impulsionada pelo desempenho, tende a ser moderada por preocupações com avaliações, inflação e técnicas de investimento. Índices de mercado em alta versus incerteza econômica e cautela estratégica criam uma paisagem financeira complexa com otimismo sobre o crescimento contínuo e vigilância contra sobre avaliações e contratempos econômicos, como o atual.
Olhando para o futuro, o consenso dos analistas espera que as empresas do S&P 500 registrem outro crescimento de lucros de 3,6% ano a ano para o primeiro trimestre de 2024 e de 11% para o ano inteiro, o qual consideramos otimista para os investidores. As próprias empresas estão menos otimistas: cerca de 101 companhias emitiram guidance (orientações de lucros) para o primeiro trimestre, e 71 apresentaram expectativas abaixo das previsões dos analistas. Entre as 263 empresas que forneceram orientações para o ano inteiro, aproximadamente metade está abaixo das expectativas de Wall Street.
Esse cenário aponta para um contraste entre a visão dos analistas e a realidade percebida pelas próprias empresas, evidenciando uma cautela que pode ser motivada por diversos fatores internos e externos que impactam operações e projeções de mercado.
Concluímos que, se a economia não demonstrar sinais de enfraquecimento, e mesmo que continue no atual momentum de desaceleração vagarosa e continua, porém, com salários em crescimento e desemprego baixo, então, no ano de 2024, ou pelo menos nos próximos seis meses, não teremos evidências para ver o Fed mexendo em sua política monetária. Com isso, toda a base de argumentos que iniciou esta última pernada para cima nos mercados ficará extremamente fragilizada.
Ou seja, o consenso atual soma a parte otimista tanto para expectativas de política monetária, quanto para o crescimento de lucro das empresas. A parte das expectativas da política monetária e a direção das expectativas de crescimento econômico (ou de lucros das empresas) aparentam estarem precificadas à perfeição. É improvável que as duas caminhem juntas sem entraremem atrito.