Um resumo de 2023 e como entramos em 2024.
Na carta do fim de janeiro gostaríamos de compartilhar algumas perspectivas e pensamentos sobre o quarto trimestre de 2023 e sobre o início de 2024, à medida que a situação financeira aparenta se tornar cada vez mais complexa perante as perspectivas otimistas precificadas para 2024. Ao longo de diversos meses de 2023, o foco principal de narrativa do mercado foi a política de taxa de juros imposta pelo Federal Reserve (Fed). Após um aumento de 50 pontos-base em dezembro de 2022, a taxa de fundos federais subiu para 5,2-5,5% com quatro aumentos de 25 pontos-base do Comitê Federal de Mercado Aberto (FOMC) até julho de 2023.
O presidente do Fed, Jerome Powell, assumiu o que na linguagem de mercado chamamos de posicionamento hawkish (política monetária mais agressiva), enfatizando o gerenciamento da inflação e ressaltando que sem indícios de aumento de desemprego e enfraquecimento econômico, a política restritiva se manteria em vigor.
Tudo isso até o final de 2023, quando foi observado a primeira postura “oposta”, ou na linguagem de mercado, dovish (política monetária mais suave), a qual foi interpretada pelo mercado e transformada em narrativa após a última reunião do Federal Reserve em dezembro de 2023. Durante a reunião, o Fed ressaltou a queda de inflação ao longo dos últimos meses e os primeiros indícios de deterioração no mercado de trabalho, alterando as previsões para uma redução de 75 pontos-base nas taxas ao longo de 2024.
O efeito desta mudança na interpretação fez com que as ações aumentassem de valor rapidamente e os juros dos títulos do Tesouro diminuíssem, causando um final de ano eufórico e um início de ano com uma precificação extremamente otimista, totalmente o oposto de como se iniciou o ano de 2023.
O mercado chegou a precificar com75% de chance uma queda de 25 pontos-base nos juros já para o mês de março de 2024, a qual na reunião de 31 de janeiro foi claramente postergada, pois os indícios de deterioração econômica não foram claros o suficiente após os dados de consumo e de desemprego, atualizados em janeiro, saírem melhores que o esperado. Indicando uma forte temporada de compras de Natal, as vendas no varejo de novembro (divulgadas em dezembro) subiram mais de 4% em comparação com o mesmo período do ano anterior e o nível de aumento de salários, que caiu durante o ano de 2023 inteiro, se manteve constante em torno de 5% nos últimos meses (novembro e dezembro).
No quarto trimestre de 2023, as condições financeiras melhoraram significativamente, especialmente nos últimos dois meses. Do fim de outubro até o final do ano, o Índice de Condições Financeiras dos Estados Unidos medido pela Goldman Sachs (FCI GS) caiu mais de 150 pontos-base, o que significa um menor aperto monetário que anteriormente. Novembro, por exemplo, viu o maior alívio nas condições financeiras dos Estados Unidos em quatro décadas, após um aumento de 140 pontos-base em meados de julho.
A melhoria das condições financeiras foi causada por vários fatores. No final de outubro, os membros do Fed admitiram que o aperto monetário, até então em vigor, poderia reduzir a necessidade de aumentos nas taxas de juros adiante. A desinflação, entretanto, foi a tendência macro mais mencionada nos bastidores, e teve seu impacto na mudança de expectativas para 2024, inicialmente vista como um fator positivo.
De todos os possíveis eventos que ajudaram a derrubar as taxas de juros, a tendência que causou maior alívio no aperto monetário, até então em vigor, foi acelerada por um anúncio de colocação trimestral das dívidas do Tesouro (QRA) em novembro abaixo do esperado pelo mercado, seguido pela postura dovish do FOMC na reunião de dezembro.
A inflação central medida pelo PCE (gastos com consumo pessoal) para novembro subiu 1,9% em um período de seis meses, a métrica supostamente favorita do Fed, refletiu uma importante tendência de desinflação no final do quarto trimestre, criando o argumento necessário para o Soft Landing, ou “pouso suave”.
Pela primeira vez em três anos, a medida caiu abaixo do objetivo do Federal Reserve. Somando isso ao reembolso trimestral de dívidas do Tesouro menor que o previsto, a nova estimativa de emissão ajudou a trazer uma mudança positiva nas preocupações com o déficit, outro tema que foi bastante mencionado durante o período de outubro, e já reforçado novamente no último dia de janeiro, com novamente uma janela decolocação de dívidas abaixo do esperado pelo mercado para o primeiro trimestre deste ano.
No final de novembro, o Governador do Fed, Christopher Waller, reforçou a posição otimista do Federal Reserve, dizendo que a desinflação poderia resultar em uma redução nas taxas de juros. Em dezembro, a reunião do FOMC foi bastante otimista também, a média de pontos para 2024 propôs uma redução de 75 pontos-base. Além disso, até meados de dezembro a narrativa observada foi fortalecida pela dinâmica “esticada” de posicionamento sistemático em bolsa, assim como pelo aumento da diferença entre os otimistas e os pessimistas no mercado.
No quarto trimestre, a sazonalidade foi outro assunto encorajador, pois novembro e dezembro costumam ser os melhores meses do ano, com uma média de ganho de 3% e desempenho positivo em 75% das vezes. O mercado também foi sustentado por recompras corporativas recorde com uma média de US$ 5 bilhões diariamente e nove semanas de influxos para ações americanas pelo varejo. A concentração em poucas empresas em mesmos setores também chama a atenção se comparada a períodos similares, como o pré-bolha da Nasdaq, no início dos anos 2000.
Aproximadamente 75% do S&P 500 negociava (e seguem negociando) a pelo menos 1 desvio padrão acima da média móvel de 50 dias no final do ano, o que chama a atenção para níveis de sobrecompra. O consenso econômico no final de 2023 resultou em expectativas de política dovish do Fed, gastos elevados do consumidor e lucratividade corporativa forte, apesar dos temores de uma recessão ainda existirem para diversos economistas, os mesmos estão cada vez menores nas projeções da maioria dos analistas.
Acreditamos que o cenário atual está no meio de um dilema, se a economia não demonstrar sinais de enfraquecimento suficientemente convincentes para a narrativa mudar as projeções, então as mesmas expectativas dos participantes a respeito da probabilidade de cortes de juros do Fed, o qual em teoria “expande o múltiplo das ações”, será cada vez menor e postergado, e o mercado tenderá a reajustar esses valuations admiráveis projetados para o ano.
Por outro lado, se a economia demonstrar sinais de enfraquecimento e partir de uma atual desaceleração para uma recessão, então, por mais que a deflação atual seja inicialmente vista como um fator positivo no atual contexto, a mesma somada a uma recessão poderá colocar em xeque as previsões otimistas do consenso de analistas para um aumento de lucro das empresas em acima de 10% para o ano.
Além disso, conflitos geopolíticos e estresses relacionados ao setor imobiliário comercial, além de diversos vencimentos de dívidas de empresas mais frágeis com taxas atualmente altas, poderão vir a ser desafios grandes o suficiente para mudar completamente o que o mercado espera para o ano de 2024.
De um ponto de vista mais técnico, a correlação prevalecente nos últimos dois anos e meio entre os títulos de renda fixa do Tesouro e a bolsa tem sido o inverso do observado nos últimos 30 anos, uma recessão deflacionária voltaria talvez a colocar os portfólios 60-40, tradicionais na montagem de carteira dos clientes, como algo muito mais interessante do que os últimos dois anos foram. Atualmente, a alta volatilidade na renda fixa e na bolsa zeram os benefícios de diversificação entre as duas classes e aumenta exponencialmente as dificuldades dos gestores de patrimônio que trabalham com administração de risco de portfólio como variável principal na tomada de decisões.