Entramos na reta final do ano de 2024 chegando ao mês de novembro, importante mês devido as eleições e as incertezas que rodeiam o atual momento político e econômico nos Estados Unidos. Acreditamos que há uma desconexão entre o comportamento recente do mercado de renda fixa e da bolsa a qual endereçamos o conteúdo da carta neste mês. Enxergamos que o otimismo na bolsa não reflete a diferença entre um potencial downside maior que o atual upside precificado, sendo essa uma das maiores distâncias observadas nos últimos anos, concluímos que não haverá espaço para fragilidades adiante. Observamos que a liquidez ainda se mantém positiva e tem sido um fator preponderante para o andamento da atual tendência de alta nos principais índices. Nossos indicadores de ciclo seguem em território de contração para as expectativas dos próximos doze meses.
Volatilidade no Bond Market e Otimismo na Bolsa
Ao longo de 2024, o S&P 500 alcançou repetidas vezes máximas históricas, demonstrando uma resiliência notável, mesmo com o crescimento modesto dos lucros. Embora o índice apresente uma tendência de alta até o momento, o ímpeto altista é sustentado por expectativas elevadas e confiança em um cenário otimista de "pouso suave" para a economia. Desde o fim de outubro de 2022, quando a bolsa atingiu seu último fundo, o crescimento real dos lucros tem sido moderado, em torno de 5% a 6%. A bolsa, no entanto, subiu mais de 60%. Esse descompasso sugere uma possível desconexão entre a realidade e a esperança do consenso do mercado nas expectativas futuras mais otimistas. Essa confiança elevou múltiplos, como o índice preço-lucro (P/L), para percentuais historicamente altos e reduziu o prêmio de risco das ações para níveis historicamente baixos.
Acreditamos que essas avaliações elevadas são sustentadas em grande parte pelo fim de um ciclo de liquidez positivo e por projeções ambiciosas de crescimento de lucros no consenso dos analistas. Para que o cenário otimista atual se alinhe com os preços da bolsa, será necessária uma continuidade do atual ciclo econômico. Acreditamos que as atuais expectativas de crescimento de lucros de 10% em 2024 e de 15% em 2025, além de projeções de margens de lucro recordes no segundo semestre de 2025, indicam que o cenário mais otimista já está precificado. Surge então a questão: quais seriam os riscos caso essa perspectiva não se concretize?
Desde que o Federal Reserve iniciou o ciclo de cortes de juros em setembro, houve um aumento no entusiasmo do mercado. Este entusiasmo agora está mais relacionado à expectativa de que o Fed consiga manobrar um "pouso suave" do que a uma perspectiva otimista de crescimento econômico.
No entanto, revisões de dados econômicos em outubro rapidamente enfraqueceram a narrativa de desaceleração econômica, e as expectativas de cortes futuros foram reduzidas, junto a uma nova alta nos juros. Em nossa visão, isso deveria pressionar as avaliações da bolsa, que estão extremamente altas em termos históricos.
Contrariando essa expectativa, os recentes movimentos no mercado de renda fixa sugerem uma dinâmica mais complexa. A curva de juros foi significativamente recalibrada, com os contratos futuros de Fed Funds agora projetando menos cortes até janeiro de 2026. Isso sinaliza uma expectativa de moderação na política do Fed, enquanto a bolsa mantém sua tendência de alta.
Mais preocupante é a constante elevação dos juros reais, com a taxa real de 10 anos se aproximando de níveis historicamente associados a quedas de mercado nos ciclos econômicos recentes. Essas taxas reais são fundamentais na avaliação do custo de capital e, por extensão, na viabilidade das elevadas avaliações de mercado. Uma taxa real alta implica condições financeiras mais restritivas, o que, teoricamente, deveria pressionar os preços dos ativos. Contudo, o mercado de ações continua sua trajetória de alta, sugerindo uma desconexão entre a cautela no mercado de títulos e o otimismo no mercado de ações.
Uma tendência notável no mercado de títulos é o ressurgimento do prêmio de termo, um rendimento adicional que os investidores exigem para manter títulos de maior duração. No último mês, esse prêmio subiu aproximadamente 40 pontos-base, refletindo uma maior cautela dos investidores em relação tanto à abordagem do Fed quanto às incertezas da política fiscal dos EUA. Historicamente, o prêmio de termo apresenta média de cerca de 140 pontos-base, mas permaneceu baixo nos últimos anos devido às políticas não tradicionais do Fed. O aumento recente sugere que o mercado de títulos agora incorpora riscos que vão além da inflação e do crescimento econômico, como preocupações com a sustentabilidade fiscal de longo prazo.
Fatores que podem ter contribuído para a alta de juros, segundo a narrativa do mercado:
À medida que os indicadores do mercado de trabalho se recuperaram em outubro e as preocupações com a inflação diminuíram, o sentimento mudou rapidamente. Os cortes de juros pelo Fed e dados econômicos estáveis reforçaram essa confiança, impulsionando uma alta nos juros. Nesse cenário, expectativas de crescimento mais altas, sem pressão inflacionária adicional, favorecem ações, especialmente de empresas de grande capitalização e alta qualidade.
Outro fator para o aumento dos juros é a antecipação de um crescimento nominal mais forte, sugerindo que os cortes iniciais do Fed podem ter pavimentado o caminho para uma retomada das pressões inflacionárias. Isso é parcialmente evidenciado pelos aumentos nas taxas de break-even da inflação, indicando que as expectativas inflacionárias estão voltando ao radar.
Embora essas interpretações focadas no crescimento sejam plausíveis, nossos índices proprietários apontam uma percepção subjacente diferente. De acordo com nossos índices líderes e cíclicos, a leitura permanece relativamente cautelosa para ambos. Nosso índice agregado sinaliza um comportamento semelhante ao de julho e agosto, quando preocupações com o crescimento nominal, desaceleração do emprego e enfraquecimento da demanda do consumidor estavam em alta. Muitos desses dados críticos foram revisados recentemente, e o mercado praticamente ignorou essas preocupações em outubro. No entanto, os dados fracos de emprego divulgados no último dia de outubro se alinham com nossas análises cíclicas, indicando que essas questões podem ressurgir nas discussões de mercado após as eleições, adicionando complexidade à narrativa de crescimento nominal.
A alta dos juros também reflete a preocupação com a sustentabilidade dos déficits fiscais dos EUA, o que pode, eventualmente, pesar sobre os múltiplos das ações. À medida que a oferta de Treasuries se expande para cobrir o déficit federal, a emissão aumentada pressiona os preços dos títulos, contribuindo para a alta dos juros. O aumento do prêmio de termo sugere que as preocupações fiscais impulsionam essa tendência. Outra explicação para essa volatilidade pode estar na incerteza eleitoral e nas políticas dos candidatos, principalmente diante de uma possível vitória do candidato Trump e suas propostas de políticas tarifárias. No entanto, aguardamos evidências maiores para nos posicionarmos sobre esse tema.
Conclusão
Ou a volatilidade dos títulos se estabiliza com uma eventual piora nos dados econômicos que "animaram o mercado" — o que demandaria uma revisão das expectativas de pouso suave — ou o crescimento econômico surpreende positivamente, possivelmente acompanhado por uma inflação mais alta. Em ambos os cenários, o aumento do prêmio de termo nos títulos longos do Tesouro dos EUA deverá impactar os valuations das ações, representando um possível obstáculo para o mercado de ações.
Estamos, portanto, nos capítulos finais de um período de distribuição de liquidez pré-eleição, com expectativas elevadas ancoradas em resultados e uma sensação de tranquilidade que pode se provar ilusória. Por um lado, quando os dados econômicos apresentam melhora, discute-se o "pouso suave", e as expectativas otimistas são ampliadas. Por outro, quando surgem perspectivas mais pessimistas, a narrativa rapidamente se ajusta, incorporando novos cortes de juros como justificativa para os elevados níveis de preços. Essa constante troca de narrativas reflete a fragilidade subjacente das atuais condições de mercado.