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Update Macro: Setembro

10/5/2024

Iniciamos o último trimestre do ano acreditando que os investidores estão enfrentando um ambiente confuso, repleto de sinais contraditórios. Enquanto os mercados financeiros estão se aproximando de máximas históricas, há sinais persistentes de que os consumidores estão sob pressão devido ao aumento dos custos de vida. Ao mesmo tempo, apesar de iniciar um corte de 50 pontos-base na taxa de juros, uma medida normalmente reservada para momentos de pessimismo com a economia, o Federal Reserve continua a projetar confiança na força da economia. Isso levanta uma questão crítica: devemos antecipar uma melhoria nas condições ou nos preparar para um período mais desafiador? É neste tom de incerteza que pautamos a carta do fechamento de setembro. Adicionamos, como tema secundário da carta, um levantamento sobre as condições econômicas e os impulsos de crédito promovidos pelo governo chinês no final do mês, outro tema que chamou bastante a atenção durante o mês de setembro.

Fed, Complacência e Cenário otimista precificado adiante

Nos últimos 13 meses, o Federal Reserve manteve sua taxa de juros estável em 5,5%, o nível mais alto desde 2001. Durante o mês de setembro, o Fed deu os primeiros passos para uma mudança de percurso na política em vigor, o que aumentou mais ainda o otimismo em relação a uma transição econômica para um “pouso suave” (termo em inglês conhecido como Soft Landing). Essa perspectiva é reforçada pela queda nas taxas de inflação, crescimento econômico revisado positivamente, melhorias nas expectativas de aumento de produtividade e nas expectativas de margens de lucro corporativas, além de um mercado de trabalho ainda considerado robusto. Embora flutuações de expectativas tenham ocorrido ao longo dos últimos três meses, a visão geral que temos do ambiente de mercado parece permanecer predominantemente confiante. São durante estes momentos, onde o otimismo está precificado ao máximo, que devemos observar de forma mais detalhada o impacto que surpresas negativas podem trazer aos mercados.

No dia 18 de setembro, o Federal Reserve encerrou um dos períodos mais longos de inatividade de política monetária após implementar a estratégia de aumento de taxas mais agressiva em mais de quatro décadas, resultando em uma redução de 50 pontos-base, ajustando a taxa para uma faixa de 4,75% a 5%. Powell evitou declarar vitória sobre a inflação e enfatizou o compromisso do Fed com o pleno emprego. A maioria dos membros do FOMC antecipam uma redução adicional de 50 pontos-base até o final do ano, que deve ser implementada em pequenos incrementos ao longo das próximas duas reuniões."

Atualmente, a maioria dos membros do FOMC antecipam uma redução adicional de 50 pontos-base até o final do ano, que deverá ser implementada em pequenos incrementos ao longo das próximas duas reuniões. Além disso, a maioria dos outros BCs de países importantes no sistema monetário global confirmam a mesma direção de política monetária e redução de taxas, o que reduz possíveis impactos negativos na variação da cesta dólar, e aparentam fortalecer o preço do ouro.

Projeção Econômica apresentada pelo comitê do FOMC na última reunião, destaque para a taxa terminal revisitada ligeiramente para cima, para próxima de 3%.

Levantamento da Bloomberg com o número de dias de pregão de bolsa entre os cortes de taxas do Fed desde os anos 70 (fonte: Morgan Stanley).

Acreditamos que o principal destaque da reunião do Fed foi a ênfase de Powell na preocupação com o mercado de trabalho, aparentando ser agora um indicador mais importante que a inflação. Segundo mencionou o presidente do Fed na reunião, caso observações de mais declínios no mercado de trabalho ocorram, o curso da política monetária avaliará levar em conta mais medidas de afrouxamento. Powell também ressaltou que não é necessária uma deterioração adicional no mercado de trabalho para atingir a meta de inflação de 2% do Fed.

Após o corte de juros, observamos um aumento nos juros dos títulos de longo prazo do Tesouro Americano, talvez um sinal da tradicional “compra no rumor e venda no fato”.  Embora muitas previsões macroeconômicas estejam atualmente com preços bastante agressivos nas perspectivas de performance para a maioria das classes de ativos, o potencial para surpresas positivas pode ser limitado adiante. Até agora, as projeções indicam que os lucros corporativos devem aumentar a uma taxa recorde e quase duas vezes maior que a média histórica, algo que costuma ocorrer apenas em momentos de recuperação econômica pós-recessões. O consenso mira em US$ 278 de lucro por ação para o S&P 500 até 2025, o que significa que mesmo que o S&P 500 atinja 6.000 pontos, ainda estaria sendo negociado a mais de 21 vezes o lucro, acima da média histórica depois de uma performance muito acima do esperado.

As projeções de lucros mostram uma tendência de se concentrarem mais no final do período, como evidenciado pela queda nas estimativas para o terceiro trimestre de 2024, de 7,5% para 4,2%. É essencial notar que o cenário de pouso suave depende fortemente de uma expansão significativa das margens. As projeções atuais indicam que as margens operacionais devem aumentar de 13,6% até agora para 16,1% até o final deste ano, atingindo um recorde de 17,8% até 2025, muito acima da média histórica. O argumento principal no consenso dos analistas para esta expansão esperada está em expectativas de melhorias na produtividade, em vez de cortes de custos ou reduções de empregos, temas que foram corriqueiros nos últimos trimestres. Atingir esta expectativa será crucial para manter a narrativa do pouso suave viva adiante.

Acreditamos que estamos lidando com complacência e excesso de otimismo no consenso de analistas. Ao longo da maior parte do ano, o grupo proeminente de sete grandes empresas de tecnologia dos EUA (termo em inglês Magnificent 7), conhecido por suas contribuições significativas para os avanços em inteligência artificial (IA), esteve no centro do entusiasmo do mercado com o aumento de produtividade. As principais empresas de tecnologia estão fazendo investimentos consideráveis em infraestrutura de IA, com seus gastos de capital superando os do setor de energia inteiro. No segundo trimestre, as hiper escaladoras alocaram US$ 53 bilhões para despesas de capital, refletindo um aumento de 58% em comparação ao ano anterior. Esse investimento foi direcionado para infraestrutura “essencial”, incluindo semicondutores, centros de dados e fornecimento de energia, tudo com o objetivo de fortalecer suporte aos modelos de negócio de IA. O influxo significativo de investimentos é uma aposta significativa em expectativas de crescimento de lucros futuros, já que os investidores esperam que esses gastos eventualmente melhorem a produtividade e a lucratividade por meio da integração de tecnologias de IA generativa. Acreditamos que o potencial é extremamente positivo, mas que o tempo para os resultados aparecerem será muito maior do que o consenso de analistas precifica.

Bloomberg: Gastos corporativos com investimentos para hiper escaladoras Microsoft, Facebook (Meta), Google e Amazon por trimestre desde o fim de 2022. (Fonte: JP Morgan).

Observamos movimentos de mercado mais recentes contrariando estas expectativas aparentemente precificadas no mercado. À luz dos compromissos substanciais com despesas de capital, o cenário geral do mercado apresenta uma narrativa muito mais complexa. Desde agosto, setores não relacionados à tecnologia e todos os setores tradicionalmente defensivos emergiram como as principais performances da bolsa, enquanto as empresas de tecnologia e as “Magnificent 7” ficaram para trás, indicando uma possível mudança no sentimento dos investidores.

Os setores defensivos tendem a ser menos sensíveis às flutuações econômicas, oferecendo receitas consistentes. O desempenho recente sugere que um número significativo de investidores está buscando opções mais seguras, o que aponta para uma perspectiva cautelosa em relação ao potencial de crescimento de curto prazo das empresas de tecnologia com altos gastos de capital. Usualmente, quando setores defensivos lideram a performance da bolsa, as expectativas de crescimento de lucro das empresas cíclicas tendem a se frustrar no futuro.

Performance por setor defensivo dos últimos três meses versus o índice S&P 500.

A principal questão em torno do panorama focado em tecnologia e impulsionado pela produtividade alcançada através de investimentos IA é se as despesas de capital substanciais realizadas pelas hiper escaladoras gerarão o crescimento de lucros esperado no curto prazo. Avaliamos que os investidores podem se encontrar em uma posição em que será necessário exercer paciência, já que o prazo para que esses investimentos gerem retornos significativos pode se estender além das expectativas iniciais.

Material de Relatório recente da Morgan Stanley: Magnificent 7 ficaram para trás desde julho, e, projeções de aumento de lucros para o curto-prazo para outros setores aumentam, ao passo que a projeção das ”Mag 7” diminuem.

A postura defensiva atual que observamos no mercado pode indicar que possíveis preocupações gerais sobre os desafios econômicos estão atualmente se sobrepondo à narrativa de alto crescimento do setor de tecnologia, o qual prevaleceu até julho deste ano. É importante que os investidores ajam com cautela ao considerar a suposição de que os gastos de capital em IA levarão a resultados imediatos superiores ao mercado. O desempenho superior dos setores defensivos pode sinalizar uma perspectiva mais moderada sobre o crescimento de lucros no curto prazo.

Além disso, a perspectiva otimista refletida nas ações dos EUA depende da realização contínua do crescimento dos lucros. Embora o entusiasmo nos mercados de ações continue elevado, é importante agir com cautela, pois vários riscos ainda persistem sob a superfície e o otimismo aparenta estar precificado “ao máximo”.

Material de Relatório recente da Morgan Stanley: historicamente, não é incomum que as projeções de lucro estejam estimadas acima do verdadeiro potencial de lucro realizado adiante, e, mercado incorpora mais quedas de juros no curto-prazo que a própria projeção revisada do Fed em setembro.

Medidas de Estímulo na China

A recente onda de medidas de estímulo da China provocou uma dramática alta no mercado de ações, mas ainda restam dúvidas sobre sua eficácia em lidar com os desafios econômicos mais amplos do país.

Enquanto o mercado de ações reagiu rapidamente a essas políticas, com ganhos expressivos, o impacto de longo prazo na economia continua incerto.

Matéria do WSJ de 30 de setembro mostrando o índice da bolsa de Xangai.

A mais recente série de medidas implementadas pelo banco central da China gerou um rápido aumento na atividade do mercado de ações. Em uma única segunda-feira, 143 bilhões de dólares em ações foram negociados nos mercados de Xangai, Shenzhen e Pequim em apenas 35 minutos, quebrando recordes. O índice CSI 300 subiu 25%, recuperando mais de um ano de perdas em apenas cinco sessões de negociação. O índice ChiNext de Shenzhen, focado em ações de tecnologia, teve uma impressionante alta de 15.4% em um único dia, o maior aumento desde sua criação em 2010. No entanto, além da euforia da alta do mercado de ações, há uma preocupação crescente se as novas medidas poderão se traduzir em um crescimento econômico sustentável.  

As recentes ações do governo chinês, incluindo uma reunião do Politburo liderada por Xi Jinping, que priorizou discussões econômicas em setembro, enfatizam a gravidade da desaceleração recente. Apesar das promessas de apoio fiscal e monetário, faltam detalhes cruciais, especialmente em relação aos esforços para estabilizar o setor imobiliário, que está em crise desde 2021. Os impulsos oferecidos pelo governo se comparam a períodos da Grande Crise de 2008.

Material de Relatório da Morgan Stanley: expectativas a respeito dos próximos passos das medidas de auxílio do governo chinês.

A economia como um todo continua sob pressão, apesar dos ganhos no mercado de ações. O setor manufatureiro da China encolheu pelo quinto mês consecutivo, com queda nos pedidos de exportação e cautela nas contratações pelas empresas. O setor de serviços também encolheu em setembro, refletindo a fraqueza na confiança dos consumidores e a desaceleração no crescimento das vendas no varejo. Embora os recentes cortes nas taxas de juros e as medidas de flexibilização de Pequim sejam passos positivos de sinalização ao mercado, economistas alertam que podem não ser suficientes. Tanto as famílias quanto as empresas permanecem hesitantes em contrair dívidas, limitando o impacto das ações do banco central e refletindo a crise de balanço que assombra a economia chinesa. Robin Xing, economista-chefe da China no Morgan Stanley, prevê que o orçamento suplementar de outubro incluirá mais 1 a 2 trilhões de RMB em estímulos econômicos para ajudar os governos locais enfrentará uma longa batalha para revitalizar a inflação e garantir um crescimento sustentável.

Fonte WSJ: quedas históricas em vendas de imóveis na China, medido por pé quadrado.

Novos dados destacam a precariedade da situação do setor imobiliário. Em julho, as vendas de novos imóveis entre os maiores incorporadores da China caíram 20% em relação ao ano anterior, segundo a China Real Estate Information Corp., agravando-se em relação à queda de 17% observada em junho. Em base mensal, as vendas despencaram 36%. Esse declínio acentuado ressalta as pressões contínuas enfrentadas pelo mercado imobiliário, aumentando a urgência para que os formuladores de políticas introduzam intervenções mais robustas. Acreditamos que os efeitos da deflação são sentidos não apenas pelos consumidores e empresas, mas também pelos governos locais. Um grande abismo entre a receita fiscal real e a projetada surgiu, com a receita fiscal acumulada no ano caindo 5,3% em comparação com o ano anterior, muito abaixo da meta de crescimento de 3,7%. Esse déficit possivelmente pressiona os governos locais, forçando algumas regiões a considerar cortes nos salários dos funcionários públicos e na suspensão de gastos sociais básicos. Grande parte do fardo da dívida recai sobre os governos locais, apesar de muitas dívidas estarem ligadas a políticas do governo central. A disparidade regional nas dívidas e a dependência das transferências do governo central agravam ainda mais a tensão financeira. Não é acaso que ao longo do ano alguns bancos regionais estressados foram focos de matérias.

O foco mais recente do governo em investimentos industriais de fato aumentou a produção, impactou inclusive o volume de exportações da própria Alemanha, mas também levou à queda dos preços e à redução das margens de lucro novamente. Os mercados globais estão cada vez mais preocupados com a enxurrada de exportações chinesas baratas, o que está tensionando ainda mais as relações comerciais internacionais. Enquanto isso, o setor imobiliário continua sendo um grande entrave ao crescimento.

Apesar dos esforços recentes para apoiar os compradores de imóveis, economistas argumentam que são necessárias mais ações decisivas. Acreditamos que o setor imobiliário permanecerá uma vulnerabilidade para a recuperação econômica da China.

Material do próprio governo chinês, relatório da Morgan Stanley: deterioração nos indicadores de dinâmica social e confiança no mercado de trabalho no fundo histórico.

Com os riscos de deflação persistentes, tensões comerciais globais em ascensão e um setor imobiliário instável, os próximos meses serão cruciais para determinar se a China pode transformar sua alta no mercado de ações em uma recuperação econômica mais ampla e duradoura, ou se mais intervenções governamentais robustas serão necessárias para tentar minimamente estabilizar a segunda maior economia do mundo.